segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Inseption







Era uma noite fria de agosto, mas mesmo assim fui ver Inseption (A Origem, no Brasil).E o que dizer do filme? Bem, linearidade é para os fracos. O filme é apresentado em fragmentos que vão se conectando no decorrer da exibição. Na trama, conhecemos Don Cobb (Leonardo DiCaprio), um "especialista" em furtar ideias da mente alheia, que age juntamente com seu amigo Arthur (Joseph Gordon-Levitt). Mas o golpe encomendado por um conglomerado mafioso dá errado e ambos não tem outra opção senão trabalhar justamente para o "alvo" de seu golpe fracassado, o executivo e gângster Saito (Ken Watanabe). A missão consiste em implantar uma ideia na mente do herdeiro de um grande magnata (Fischer Jr., vivido por Cillian Murphy), de modo que esse herdeiro não comprometa o futuro da empresa de Saito.

E para obter a ajuda de Cobb, Saito oferece a única coisa que ele deseja: a oportunidade de poder voltar aos E.U.A., onde ele é procurado por um crime que não cometeu. A partir daí Arthur, Cobb e Saito passam a recrutar membros para a equipe que irá empreender a missão: Yusuf (Dileep Rao), um químico para preparar os sedativos necessários para induzir a um estado de sono profundo; um falsificador e faz-tudo chamado Eames (Tom Hardy) e uma "arquiteta" chamada Ariadne (Ellen Page), cujo nome não foi escolhido por acaso. De fato, na mitologia grega, Ariadne era a filha do Rei Minos, que ajudou seu amado Teseu a matar o minotauro e sair do labirinto onde a fera habitava, entregando ao rapaz uma espada e um novelo de lã para marcar o caminho de ida e volta até a entrada.  

E assim como na mitologia, Ariadne é a responsável por criar os ambientes oníricos utilizados pelos personagens para implantar o sofisma desejado na mente do herdeiro do magnata e traçar a rota para a equipe chegar ao objetivo. Por meio dela aprendemos como Cobb trabalha nos sonhos e, ao mesmo tempo, a personagem serve como âncora para seu mentor, ajudando-o a superar um grande trauma que permanece em seu subconsciente. Não pretendo avançar na trama, para evitar spoilers e comprometer o prazer de quem pretende assistir o filme. Mas posso adiantar uma coisa: é preciso prestar muita atenção no totem que Cobb carrega e, principalmente, no que é dito sobre ele, porque isso é fundamental para se compreender o final.

Particularmente gostei da interpretação de Tom Hardy e muitas vezes percebemos que Eames é muito mais eficiente e astuto do que Cobb. Mas a política da boa vizinhança impõe que o coadjuvante não ofusque (muito) o ator principal e Hardy soube se destacar dentro de certos limites. Também acho que Joseph Gordon-Levitt está em seu melhor papel (bem, pelo menos dessa vez ele não estraga a personagem). Os demais atores não comprometem e cumprem seus objetivos.

O roteiro poderia ser melhor elaborado, já que alguns personagens, como Arthur, não tem outra motivação aparente para aceitar a missão, a não ser a boa e velha desculpa de ajudar o amigo. Arthur, Ariadne e Cobb são os únicos que não trabalham por dinheiro. O primeiro, como eu disse, não tem uma motivação bem definida, o que empobrece a personagem. Ariadne é adolescente, e como todos na sua idade, quer passar por novas experiências e descobrir coisas novas, o que me parece algo bastante aceitável. Já Cobb age apenas para tentar recuperar aquilo que considera mais importante em sua vida.

A trilha sonora é bastante competente e não poderíamos esperar menos do veterano Hans Zimmer. Na direção, Christopher Nolan mostra que é um dos melhores diretores de Hollywood atualmente, mas não podemos deixar de comparar Inseption com outro trabalho do diretor: Amnesia ou Memento. O roteiro fragmentado e a exploração pelo subconsciente da personagem principal são pontos em comum entre os dois filmes.







O conceito do filme não é original. E eu não fui o primeiro a notar isso. E não, não estou falando de Matrix. Aliás, não pretendo falar sobre a linha tênue que separa realidade e sonho,   até porque a maioria dos críticos já falou o suficiente sobre isso, tanto na trilogia dos irmãos Wachowski quanto no novo filme de Chris Nolan.

Na verdade, quando disse que o conceito não era original eu me referia ao Máscara Noturna, um "herói" criado para o Novo Universo, um selo da Marvel Comics do início da década de 1980. Como os demais personagens do Novo Universo, o Máscara Noturna se distanciava dos padrões clássicos dos super-heróis e abordava questões mais "realistas" e algumas até então inéditas para os comics

O Máscara era Keith Rensem, um jovem que sofreu um acidente de avião quando viajava com sua família. Ele e sua irmã foram os únicos sobreviventes do desastre. Keith permaneceu em coma por um ano e por conta do acidente permaneceu com uma cicatriz em forma de meia-lua em sua testa. Posteriormente ele descobriu que podia entrar no sonho das pessoas e que, no mundo onírico, conseguia manter um elo com sua irmã. Essa irmã, assim como a Ariadne mitológica, era a responsável por guiar Keith de volta à realidade. Keith era uma pessoa comum e só se manifestava com o uniforme e certas habilidades no mundo dos sonhos. Ele e sua irmã eram membros de um instituto de psicologia que ajudava pessoas com problemas que, em geral, se manifestavam pelos sonhos. Infelizmente o Novo Universo não atingiu as metas de vendas esperadas e foi cancelado depois de algum tempo. 

Voltando ao filme, Inseption me fez pensar em algumas coisas, como o valor de uma ideia e sua relação com os sonhos. O mundo poderia ser completamente diferente se Alexandre não tivesse a ideia de dominar a Grécia e o império Persa, avançando por todo o mundo conhecido até então. Ou se Colombo não tivesse a ideia de cruzar o oceano, numa viagem que o levaria a descobrir a América. Exemplos não faltam. E podemos perceber que, muitas vezes, a palavra sonho é associada a ideias, ou ideais, ou metas. O discurso mais famoso de Luther King chama-se I have a dream, ou "Eu tenho um sonho" e, nele, o famoso pastor falava sobre seu desejo de ver posta em prática a igualdade de direitos para brancos e negros. Há uma relação muito profunda, portanto, entre as ideias e os sonhos. Uma ideia pode ter valor inestimável, porque ela pode mudar o mundo. 

Pensando assim, o fato de se utilizar os sonhos para se implantar uma ideia não parece tão absurdo, não é mesmo? Nos sonhos, ou em nossas ideias, costumamos projetar aquilo que queremos ser, não o que somos. Às vezes agimos de acordo com essas projeções, mas, em situações críticas, costumamos agir conforme nossa verdadeira personalidade e, não raro, nos sentimos culpados e tristes por isso. Platão dividia a realidade basicamente em dois planos: o mundo ideal e o mundo real e, segundo ele, os homens deviam buscar aproximar os dois mundos, tornando o segundo mais parecido com o primeiro, onde prevaleciam virtudes e ordem. 

Em Inseption, Cobb e Arthur são contratados para agir de acordo com os interesses de um conglomerado corrupto, passando por cima da vida de Fischer e daquilo que eventualmente ele poderia fazer para o mundo, com a tecnologia da empresa do pai. Não existe ética. Todas as personagens agem de forma egoísta e considero que muitas pessoas reais fariam o mesmo. 


Hoje em dia as empresas valorizam apenas os funcionários que possuem "ambição", ou seja, o desejo de progredir na hierarquia de cargos e ganhar sempre mais dinheiro, a qualquer custo. O problema é que, nessa lógica, a ética e certos valores morais ficam para trás. E os empregadores não se importam com isso (apenas fingem que se importam). Muitos profissionais e empresários se valem dos mais variados tipos de golpes contra colegas ou concorrentes, em sua busca ensandecida pela ascensão social e profissional, assim como as personagens do filme. A espionagem industrial é comum nos dias atuais e acredito que muitas empresas somente não roubam  ou implantam ideias como Cobb simplesmente porque elas não dispõe de tecnologia ou dos meios necessários para tanto. 

E em meio a essas divagações, me pergunto que espécie de mundo estamos criando para as próximas gerações. Quando vejo uma realidade como a de Inseption, o que mais me incomoda é o fato de que aquela ficção se parece cada vez mais com a nossa realidade. E as pessoas não estão muito preocupadas com isso.   

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